terça-feira, 10 de julho de 2018

TRANSCRIÇÃO DE UMA CRÔNICA DE LEON ELIACHAR NA CASA DE MEU PAI, NORMANDO LOPES

O TELEFONE TILINTA E FAZ O NOSSO ROTEIRO (AGITADO) PARA UM FIM DE SEMANA (COM FINAL FELIZ)
 LEON ELIACHAR (Ano III - PENÚLTIMA HORA - Rio, 3 de dezembro de 1957 - nº 580)
Um telefonema me levou à residência do Sr. Normando Ferreira Lopes e senhora, para uma reunião. Às três da manhã, dois estampidos nos levam a janela, que dá frente para a Rua Felipe de Oliveira, e os primeiro curiosos que começam a se juntar em volta de um jipe, arrastam até lá embaixo a nossa incontrolável curiosidade. Debaixo do jipe, um homem baleado (pelas costas) geme de dor, enquanto populares discutem várias hipóteses. Quem não viu, afirma coisas; quem viu, diz que não viu nada. O carro da rádiopatrulha chega ao local, mas não pode chamar a ambulância, porque o seu rádio estava enguiçado. Engraçado: chama-se “rádiopatrulha”, mas só a patrulha é que funcionava. Enfim, a Sra. Ferreira Lopes[1] ligou para a assistência e (que milagre!) em poucos instantes chegou uma ambulância que levou o homem. As discussões continuaram.
- Onde estão os guardas civis que atiraram no homem?
- Pegaram um lotação...
- E onde estão os Cosme e Damião que corriam atrás do homem?
- Estão aqui, mas também iam fugir. Fui eu quem os trouxe de volta – disse Marcelo, rapaz mais conhecido por “Bicudo” nas rodas boêmias da Zona Sul.
Diante da revolta em face do crime, considerado covarde por todos, várias testemunhas se apresentaram para indiciar[2] os Cosme e Damião como suspeitos: um funcionário da Polícia Técnica, que examinou suas armas (intatas), o Sr. Normando Ferreira, o Sr. Wolney Brandão e o Sr. Marcelo; estavam todos dispostos a fazer vir à tona a verdade. Acompanhei-os ao 2º Distrito, ainda movido pela curiosidade, pois gosto de aprender como “funciona” o nosso organismo policial.
Fiz perguntas, aparentemente absurdas: porque os guardas civis fugiram? Eles não tinham motivo para atirar? Quem me explica é outro guarda: “Ele fugiu para livrar o flagrante. Uma vez matei um homem em legítima defesa; depois dele me dar três tiros, acertei-o e ele caiu. Fui socorrê-lo e gastei 66 mil cruzeiros para me defender pelo crime de “homicídio”.
Nunca mais! Se eu for obrigado a atirar outra vez meto o pé...” O dia já estava clareando, quando o auxiliar de Comissário, Sr. Enio Jorge, me reconheceu entre os curiosos e se aproximou para me dar um abraço (apesar das minhas críticas, fiquei satisfeito em saber que também tinha fãs dentro da própria Polícia) e me disse: “Sente aqui ao meu lado; você verá coisas engraçadíssimas para escrever”. De fato, as “ocorrências” vão desfilando quase automaticamente; não para nunca. Às sete da manhã o Sr. Enio me oferece condução, num carro da radiopatrulha: “Muito obrigada, mas como é que eu vou explicar essa “carona” ao porteiro do meu edifício?...” Ia me afastar, quando o Sr. Enio pediu fogo; acendi o seu cigarro e fiquei na moita – pois vira perfeitamente quando a sua caixa de fósforos fora furtada, dentro da própria Delegacia. Sabe-se lá se ele não acabaria me convocando para testemunha? Cheguei em casa, deitei, fechei os olhos e pensei: “E dizer que se eu tivesse saído da reunião, poucos minutos antes, esta crônica hoje não sairia.” Não porque não tivesse acompanhado o crime – mas justamente porque poderia ter sido eu próprio a vítima...
[1] É engraçado notar que minha mãe não tem nome! Aliás o nome dela era Noemia.

[2] Se fosse hoje em dia, heim?

Nenhum comentário: