Através do telescópio, Ana Flor, pode vê-la: sua alma caminhava pela superfície clara da lua, solitária. Será que sobreviveria a toda esta catástrofe? Seus olhos se voltaram para as janelas estilhaçadas, era óbvio que a luta continuava sendo travada, entretanto, em Ana já não residia esperança, não neste mundo. Esperava, isto sim, que a qualquer momento, um clarão de ódio selasse o destino de todos. Não importa, sua alma livre vaga por outros mundos agora, se tudo der certo, se agrupará a outras almas livres, que serão tragadas pelo Espírito de Deus e formarão então uma nova matriz. Longe desta miséria talvez possam recriar o caos do amor e da beleza, caldo primordial do Universo. Morre a casca fica a célula do ovo
Mãe sofre. Ver a filha assim, sem eira nem beira, de bar em bar, com uns e outros. Afinal, Marli já passava dos 29, sem um homem que a carregasse, que lhe desse casa e comida e vida boa. Enquanto Carmem matutava sobre o futuro da filha, lá fora uma confusão se formava: -Dona Carmem, Dona Carmem! Quando ouviu o seu nome correu para a porta da frente, o coração saindo pela boca e aquele terrível pressentimento. Porta afora, Carmem pode ver a pequena multidão que se formara, em meio a toda àquela gente sua filha, dois tiros no rosto, irreconhecível. Atônita, frente a realidade e a todo o alarido, a mãe se ajoelha e cobre o rosto da filha com o pano de prato que, na pressa, tinha trazido pra rua de casa.