sábado, 29 de agosto de 2015

Causos do Cotidiano de Copacabana III

Copacabana tem seus tipos folclóricos.

Outro dia, peguei um taxi para casa e o taxista me perguntou pra onde? Bastou falar que ia para Prado Júnior, pro cara puxar assunto. Mora em Copacabana há muito tempo? Conheceu fulano? E beltrano? E ficamos lá nos lembrando das figuraças que conhecemos na adolescência: o mendigo "éter", o cara que se vestia todo de branco, inclusive usava um turbante e vinha pra praia, num calor de 40º, vender comida árabe, o gago, Clóvis Bornay, um universo de jogadores de futebol que frequentavam Copacabana e o seu Zé das Medalhas.

O Zé das Medalhas, na verdade Altair Domiciano Gomes, era figura emblemática do bairro. Coberto de colares com medalhas de todos os tipos e tamanhos, os dedos cheios de aneis e os braços repletos de pulseiras. Uma pesada Carmen Miranda ou uma Carmen Miranda da pesada!

O Zé era figura respeitadíssima entre todos, inclusive entre as crianças. Era quase uma entidade, um orixá.

Ele era um negro enorme, uma figura majestosa com todos os seus badulaques.

Trabalhava na Farmácia do Leme, estabelecimento na Rua Prado Jùnior, vulgo PJ, famosa pelas prostitutas e travestis e seus pontos habituais, boates e afins. Naquele tempo, se não me engano, era a única farmácia e já ficava aberta 24 horas.

Toda aquela área pertencia a boêmia carioca e o Zé era famoso no pedaço e se sentia em casa.

Na década de 80, casei, mudei e fui morar em outro Estado. Quando voltei ainda cheguei a rever o Zé, já meio grisalho, entretanto, soube tempos depois que ele havia tido um AVC e já não estava mais trabalhando.

Sumiu o Zé das Medalhas, que com sua elegância exuberante, emprestava toda esta singularidade a Copacabana.

Mas saiba Zé que no nosso imaginário você ainda passeia pelas ruas de Copa. Ou ainda te vemos parado na porta da farmácia com toda a sua simpatia, "causando", como você sempre gostou de fazer.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Causos do cotidiano de Copacabana II

Este foi logo na primeira semana do outono, onde logo cedo parti para caminhar no calçadão.

Tinha atravessado a Barata Ribeiro, quando me deparei com aquela cena inusitada: uma mulher trôpega, totalmente embriagada, gritava no celular - Eu só queria fazer você feliz, eu só queria fazer você feliz!

Se a pobre não estivesse tão bêbada eu a teria parado imediatamente.

- Peraí, desliga já este celular! Que história é essa de eu só queria fazer você feliz? Pode parar. Então é assim, o outro se enche de si mesmo enquanto você fica totalmente vazia de si mesma? Prestou atenção? Está se ouvindo? Cadê a autoestima filha?

Me deu uma vontade danada de sacudir a pessoa.

Mas a criatura estava pra lá de Marrakech, sem chance de ser situada na vida.

Na hora que a gente leva um pé na bunda vale tudo, rodar a baiana, descer do salto, chutar o pau da barraca e tudo mais que se tem direito, mas depois, sem essa de se humilhar, de por o outro num lugar que a gente inventa. E dá pra dizer tudo isso porque eu já fiz essas besteiras então, falo de cadeira.

Esta coisa de amar demais, de se apaixonar e se rasgar toda, é legal só em bolero.

E isso vale pra todo mundo, porque todo mundo é humano e muitas vezes carente ou sofrido e ainda acredita que a sua felicidade está sempre no outro.

Eu já disse e repito, em Copacabana há muitas histórias, eu presto atenção a todas elas. São todas tão humanas e doidas que sempre parece natural que elas aconteçam aqui, nesta Copabacana.

Causos do cotidiano de Copacabana I

Hoje tive que acordar cedo. Precisava postar o meu livro para uma amiga poeta de Pernambuco.

Então me arrumei e parti para papelaria, sempre envio meus livros em um envelope especial, forrado com plástico bolha em seu interior.

Estava eu na papelaria, minha favorita na Nossa Senhora de Copacabana, pertinho de casa, escolhendo o meu envelope quando de repente me entra um sujeito alto e interessante (o que significa um cara pegável, mas não bonito), se aproxima da moça do caixa e inicia o seguinte diálogo:

- Eu trouxe esta caneta pra você. (Imediatamente ambos se tornaram o foco de todas as atenções!)
e ele continua: Era do meu irmão, quer dizer meu irmão tinha um negócio, eu acho que ele ainda tem. (faz uma pausa pensativo!) e engata... Um negócio de família, que passou de pai para filho, sacou? Bem, de qualquer forma eu deixo a caneta com você.

E aí, girou nos calcanhares e saiu da loja.

Por alguns segundos todos ficaram se olhando em silêncio, até que a moça do caixa, incrédula e com a caneta na mão perguntou:

- Alguém entendeu alguma coisa?

Aí a risada foi generalizada e cada um dos presentes deu sua opinião sobre o "inusitado".

É claro que eu também aproveitei pra dar o meu pitaco. Porque na minha opinião o rapaz meio sem jeito ou do jeitão lá dele, só estava mesmo querendo chegar na moça do caixa.

De qualquer forma, eu sempre fico com a impressão que essas coisas só acontecem aqui (ou ainda acontecem aqui), neste começo de tudo que é Copacabana, não é não?

sexta-feira, 11 de julho de 2014

Serena do mar (contos da sereia)

I

Serena veio dar na praia...
Deixou-se ficar na areia, ao sol.
Seca, firmou-se sobre suas transformadas pernas. Feliz, foi perambular pelo povoado.
Estava tão curiosa para conhecer o Marujo, aquele de quem suas irmãs tanto falavam,
de quem ouvira tantas histórias.
Já no povoado, Serena observava o movimento, as gentes, em suas atividades diárias.
Distraída, nem percebeu este alguém atrás dela.
- Você demorou tanto! disse a voz em seu ouvido, masculina e rouca.
Seu coração deu um pulo. Ai, só podia ser ele.

Fim do primeiro encantamento.

II

Serena buscou no mar tempestuoso, o seu coração, orando pelos outros náufragos...

Tudo que o Marujo mais amava era o mar.
Assim, quando durante uma violenta tempestade caiu nas águas furiosas, não se desesperou, lutou apenas, como era do seu caráter.
Depois de algum tempo, sentiu-se embalado por uma rede de cabelos macios e escutou, internamente, uma voz suave cantando uma daquelas cantigas de sua infância. Fechou os olhos, sabia que era Serena, sua sereia vinha em seu socorro, parou de lutar e se deixou levar...

III

Quando o Marujo despertou, seus olhos se abriram devagar: estaria no céu?
A cama improvisada debaixo dos coqueiros, ela ajoelhada cantarolando baixinho, nas mãos o pano úmido, carinhosamente passado pelo seu rosto, seu corpo... se ele não estivesse tão exausto pensou, aí sim, teríamos o paraíso, mas é só esperar minha sereia, só preciso do carinho e da brisa da noite, não vai perder por esperar não, viu? meu céu...

Fim do terceiro ato de encantamento.

IV

Com a noite, o Marujo recuperado,finalmente despertou e se deparou com a imensa lua que iluminava o mar, mas ela não estava lá.
Procurou com os olhos,lá vem Serena caminhando devagar peixe assado e água de coco, aí vem ela, sorriso largo e aqueles olhos verdes, águas vivas queimando seu juízo.
- Vem cá minha sereia gostosa, deixa o peixe pra depois...
Depois da boca, das línguas, dos cheiros, das mãos, dos corpos, a noite inteira dos mais devotados jeitos, entregues a todo desejo.
Pela manhã, exausto e feliz, a encontrou tatuada em seu peito e, na areia da praia um pequeno bote de resgate.

V

Já Serena, no mar, feliz da vida carregava em si a humanidade, tatuada em seu ventre.

Fim de todo este encantamento, por enquanto...

sexta-feira, 30 de maio de 2014

POÊMIA, poesia de pele e desejos

Últimos exemplares em promoção!!!!!!!!!!!!!



Para aquisição, entre em contato com cynthiaaguiar@gmail.com

sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Revelação


Através do telescópio, Ana Flor, pode vê-la: sua alma caminhava pela superfície clara da lua, solitária. Será que sobreviveria a toda esta catástrofe?

Seus olhos se voltaram para as janelas estilhaçadas, era óbvio que a luta continuava sendo travada, entretanto, em Ana já não residia esperança, não neste mundo. Esperava, isto sim, que a qualquer momento, um clarão de ódio selasse o destino de todos.

Não importa, sua alma livre vaga por outros mundos agora, se tudo der certo, se agrupará a outras almas livres, que serão tragadas pelo Espírito de Deus e formarão então uma nova matriz. 

Longe desta miséria talvez possam recriar o caos do amor e da beleza, caldo primordial do Universo. 

Morre a casca fica a célula do ovo

Sem futuro

Mãe sofre.  Ver a filha assim, sem eira nem beira, de bar em bar, com uns e outros. Afinal, Marli já passava dos 29, sem um homem que a carregasse, que lhe desse casa e comida e vida boa.

Enquanto Carmem matutava sobre o futuro da filha, lá fora uma confusão se formava:

-Dona Carmem, Dona Carmem! 

Quando ouviu o seu nome correu para a porta da frente, o coração saindo pela boca e aquele terrível pressentimento.

Porta afora, Carmem pode ver a pequena multidão que se formara, em meio a toda àquela gente sua filha, dois tiros no rosto, irreconhecível. 

Atônita, frente a realidade e a todo o alarido, a mãe se ajoelha e cobre o rosto da filha com o pano de prato que, na pressa, tinha trazido pra rua de casa.